sexta-feira, 11 de junho de 2010

Ousadia e risco pelo atum azul

Numa manhã no início desta semana, o coordenador de ações parou do lado da mesa do brasileiro João Talocchi no escritório do Greenpeace Internacional, em Amsterdam, e perguntou se ele poderia ir para Malta à noite, para se juntar à tripulação do navio Arctic Sunrise e participar das ações da campanha de oceanos.

Ele aceitou e 12 horas mais tarde pousou em Malta, sem sabe direito o que o aguardava. Hoje, 4 de junho, João descobriu que havia sido chamado para um embate com a turma que pesca atum azul, uma espécie à beira da extinção, no Mediterrâneo. Foi uma dura refrega. Eis o seu relato.



4 de junho de 2010. Mediterrâneo, em algum lugar próxima a Malta.

Uma cavalaria. Eram seis botes do Greenpeace, navegando juntos e rápido, em direção aos navios de pesca. Na popa de cada um deles, tremulava um banner com mensagens contra a extinção do atum azul. Estão escritas em três línguas. Queremos que todos saibam por que estamos aqui.

Nos barcos, quase 20 ativistas vestidos com macacões laranjas, capacetes, óculos de proteção e coletes salva-vidas. A bordo, levamos sacos de areia e escudos feitos de compensado de madeira. Nós sabíamos que a recepção não seria das melhores.

O objetivo da ação era afundar uma parte da rede de pesca com os sacos de areia, para que os atuns pudessem fugir. À medida que chegamos perto, percebi que não ia ser nada fácil. Eram 7 navios de pesca (grandes) e mais de 10 barcos pequenos amarrados na rede, para mantê-la aberta. As embarcações são francesas, mas os pescadores vêm de diversas regiões do planeta, movidos pela ganância. Um atum azul já foi vendido no Japão por mais de 100 mil euros. Cheia, uma rede pode valer até 1 milhão de euros.

Eu estava no maior barco, o Delta. Tudo o que aconteceu a partir daqui ainda passa na minha cabeça como se fosse um filme. Mas foi real. (Mãe, se você estiver lendo, recomendo parar por aqui).

Foram menos de três minutos de navegação até a rede, com a água do mar borrifando na nossa cara. Através da lente gotejada dos óculos de proteção tudo o que eu conseguia ver eram os barcos dos pescadores e os pescadores, que gritavam em várias línguas coisas que eu não posso escrever.

Em uma manobra rápida, John, piloto do barco, encontrou uma brecha e nos colocou bem na beirada da rede, entre dois barcos dos pescadores. A rede devia ter uns 100 metros de diâmetro e bóias circulando a sua volta. Comecei a jogar os sacos de areia com a ajuda do Marcelo, médico e ativista. Cada um deles pesava em torno de 20 quilos e eles estavam unidos uns aos outros por um pedaço de corda. Em dois ou três minutos conseguimos jogar seis ou sete pares sobre as bóias, enquanto nos equilibrávamos no barco. Já dava para ver que um pedaço da rede ia afundar e que alguns dos nossos outros barcos estavam fazendo o mesmo, em vários lugares. Mas a felicidade durou pouco.

De repente o barco começou se mexer rápido. John tentava evitar que um dos barcos dos pescadores passasse por cima da gente. Me segurei no que deu e, quando fiquei em pé de novo, vi que eles não estavam muito felizes com a nossa presença. Os caras estavam armados com arpões e ganchos afiados e não pensam duas vezes antes de tentar furar o barco. Conseguimos fugir, navegando rápido para dentro da rede, já que nosso bote era movido a jato propulsão, o que evitava que as hélices ficassem presas.

Infelizmente, nem todos tiveram a mesma sorte.

Quando navegamos para fora da rede e ao redor dos pescadores, estava tudo meio caótico. Dois dos nossos barcos estavam presos na rede e sendo atacados pelos arpões. Já dava para perceber que um deles ia afundar. Os outros barcos desviavam dos pescadores e tentavam ajudar quem precisava. Nessa hora, nós fomos em direção ao “gray whale”, mas estava impossível chegar perto. Tudo o que podíamos fazer era olhar um dos navios esmagando o bote contra outro barco de pesca. As duas bananas já estavam murchas e, com a hélice presa, não havia muito o que os quatro ativistas podiam fazer a não ser tentar se defender.

Da popa do navios que acabou de esmagá-los vi um mergulhador que parecia que ia pular em cima deles. Ele pulou, mas caiu na água e começou a cortas os sacos de areia e, depois, o que restou do inflável. Agora, eles estavam afundando bem rápido. Para completar o cenário surreal, a tripulação do navio começou a jogar cebolas nos ativistas. Algumas delas os acertam, mas eles tinham os capacetes e escudos. (Franceses jogando cebolas… meio estereótipo… só faltou jogarem croissants…)

Circulamos por trás de um dos navios para tentar ajudá-los e nos deparamos com outro, vindo direto para cima da gente. Os pescadores estavam loucos! John virou o barco e desviou. Nessas horas é bom ser menor e mais ágil. Mas outro barco deles começou a nos perseguir e novamente tivemos de abortar o plano de ajudar o pessoal do outro bote.

Nesse momento o helicóptero com nosso fotógrafo chegou, mas ele também não foi muito bem recebido. De um dos navios os pescadores atiraram com o sinalizador, que é um tipo de rojão. O tiro passou perto, mas não acertou. Eles atiraram de novo, mas passou longe. Só que, quando olhamos para o navio, deu para ver que dessa vez a pistola do sinalizador não estava mais mirando para cima e sim para nós. Deu tempo de abaixar e nos proteger com o “escudo” antes de ouvir o zunido do sinalizador passando há alguns metros das nossas cabeças. Nós jogamos sacos de areia na rede e eles atiram bolas de fogo na gente.

Foram dois tiros, mas nenhum acertou. Quando eles pararam, deu para ver que os ativistas de um dos botes presos já haviam pulado na água e nadado para outro inflável, que os levou embora. Os pescadores já tinham até dominado o bote e o levavam para um dos navios.

Felizmente, a partir daí as coisas começaram a ficar um pouco menos piores. Todos os nossos barcos já haviam parado de tentar afundar a rede e os que estavam afundando pelo menos não eram mais tão atacados. Conseguimos (finalmente!) ir até um deles, que estava sendo puxado para fora da rede por um dos barcos de pesca. As pessoas estavam penduradas no que restava do bote e passaram para o nosso barco alguns segundos antes da embarcação afundar. E lá se foi um dos botes que mais fez ações pelo Greenpeace – mas foi com dignidade, lutando até o fim. Obviamente, enquanto puxávamos as pessoas para dentro, um pescador tentava furar o nosso barco com um gancho e os outros continuavam a gritar coisas que não pareciam elogios.

Contamos todas as pessoas e voltamos para o Arctic. Quando chegamos descobrimos que um dos ativistas havia sido machucado pelos pescadores. Um gancho que foi lançado para dentro do bote perfurou a batata da perna dele, mas por sorte não pegou nenhuma artéria ou tendão. O detalhe é que os pescadores malucos continuaram a puxar o cabo que estava preso ao gancho, mesmo vendo o que tinha acontecido. Ele foi levado para Malta no helicóptero e está no hospital, bem.

Foi triste ver a violência com que nosso protesto foi recebido e a ganância que move aqueles pescadores, que não estão ali fazendo uma pesca sustentável e artesanal. Eles estão ali para encher o bolso de dinheiro de alguns poucos que querem encher a barriga de atum azul e para isso quase já dizimaram a espécie inteira.

O Greenpeace luta para que o atum azul seja incluído na lista das espécies em extinção, para que a pesca dessa espécie seja proibida e para que sejam criadas áreas marinhas onde eles possam se reproduzir, em um ambiente saudável. Afinal, o que vale mais: oceanos saudáveis ou mercados cheio de atuns azuis no Japão?




from http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Ousadia-e-risco-pelo-atum-azul/

Muita rede, cada vez menos peixe

Balanço geral da temporada 2010 de pesca no Mediterrâneo: o atum azul está a mais um largo passo da extinção. Utilizando uma das técnicas mais desastrosas e insustentáveis de caça – a pesca de cerco, barcos europeus realizam um verdadeiro massacre da espécie. O Greenpeace está na área, a bordo do navio Rainbow Warrior.

A cota estipulada para este ano pela Comissão Internacional para a Conservação de Atuns (ICCAT) foi batida antes mesmo da temporada acabar, dia 15 de junho. Mas ainda há muito o que ser pescado nos mares de lá este ano, por navios que não impunham bandeiras europeias para fugir da regulação do setor e que ainda detém 40% de cotas de pesca do ICCAT.

Ainda estão nos mares um navio francês e grego, além de turcos e libaneses, com amplo poder de captura através da técnica da pesca de cerco – espécie de rede gigante que vai até o fundo do mar abocanhando 70% de todos os peixes que encontra pela frente. A maior parte dos atuns pescados este ano serão transportados para fazendas de engorda, para só depois serem vendidos nos lucrativos mercados japoneses.

A estimativa mundial é que mais de 80% da espécie já tenha sido dizimada dos mares mundiais. A expectativa é que venha a desaparecer por completo, caso a pesca não seja proibida em definitivo. “A comunidade científica já comprovou que a única cota aceitável de pesca do atum é zero. A espécie está a um passo da extinção. Esta temporada de pesca nunca deveria ter acontecido”, diz Oliver Knowles, coordenador da Campanha de Oceanos do Greenpeace Internacional.

Os ativistas que passaram a temporada a bordo do Rainbow Warrior e tentaram impedir a pesca desenfreada do atum azul, sofreram sérias represálias. Ao participarem de uma ação, foram feridos por ganchos atirados por um barco pesqueiro.

by http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Muita-rede-cada-vez-menos-peixe1/